quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Cozinha, educação e disciplina


Sempre se ouviu dizer que "esperar é uma virtude" e temos que confessar que pessoas impacientes é do pior que se pode encontrar. Demasiada tensão e pressão nessa gente, não há necessidade! Sou uma pessoa paciente, até demais, para mal dos meus pecados. A L. é uma criança paciente, muito paciente para idade. Gostaria de dizer que sai a mim! Mas recentemente deparei-me com uma teoria, que veio mostrar-me que a L. pode ser paciente não só por sair a mim (também tem o meu bom cabelo), mas por eu estar a fazer uma série de coisas acertadas para a educação dela (ou pelo menos quero acreditar que sim). 

Só para terem a noção do quão paciente é a L., ela é a menina de 3 anos, que vai tomar chá com a avó e as amigas, bebe a sua "meia-de-leite" sossegada, não incomoda e intervém na conversa nos momentos certos e oportunos. Já disse que ela tem SÓ 3 anos?



Encontrei uma possível explicação para este fenómeno, no livro As Crianças Francesas Não Fazem Birra, de Pamela Druckerman. Já vos falei do livro num outro post, onde fui buscar a receita para a primeira tentativa de bolo da T. Ainda não acabei de ler o livro, mas simpatizei muito com um capítulo que fala desta grande virtude: a paciência. E esse capítulo, é o que dá contexto à receita do bolo.

Pamela é uma jornalista norte-americana, que vai viver para Paris com o marido e onde tem uma filha. Ela denota uma diferença de comportamento entre a filha, a quem apelida de Bean, e as crianças da mesma idade francesas. Aliás, denota como os filhos dos seus  amigos americanos têm um comportamento completamente diferente dos filhos dos seus amigos franceses. Enquanto com os amigos franceses, toma uma chávena de chá e conversam, enquanto as crianças brincam calmamente, com os amigos americanos não consegue trocar mais que um "olá" e "adeus", passando a tarde a correr atrás das crianças que brincam frenéticas. Pamela percebe que existe um segredo francês em educar crianças e parte à descoberta desse modelo secreto, que ninguém lhe quer revelar. 

Uma das passagens do livro com a qual me identifiquei, passa-se num sábado à tarde em que a autora vai visitar uma amiga francesa, mãe de dois filhos. O cenário com que se depara quando chega a casa da amiga é-lhe desconcertante. A filha mais velha de 3 anos, da mesma idade de Bean, está sentada à mesa a encher pequenas formas de cupcake com a massa, colocando no topo de cada uma confetes comestíveis e groselhas, enquanto a mãe conversa com Pamela. A criança está absorta na tarefa, que deixa Pamela intrigada. Olha para a filha Bean e não a imagina a fazer tal tarefa. 

Rapidamente Pamela apercebe-se de algo. Era comum quando visitava amigos franceses ao fim-de-semana, estes se encontrarem a fazer bolos, bolachas e biscoitos com os filhos, como se de um ritual francês se tratasse. Percebe que desde a idade em que os bebés conseguem se sentar, as mães francesas os levam para a cozinha para fazerem bolos, ou mesmo a projectos e concursos semanais ou quinzenais de bolos. É aqui que a autora diz algo que me iluminou a mente:


Tanta actividade na cozinha não apenas rende muitos bolos, 
como também ensina as crianças a a controlarem-se. 
Com as medidas ordenadas e a sequência de ingredientes necessária, 
fazer bolos é a aula perfeita de paciência.

Isto faz sentido para mim. Desde muito pequenina que a L. ficava na cadeira da papa a ver-me cozinhar. Eu falava para ela, explicava o que estava a fazer. Quando assumi que já tinha alguma destreza manual e conseguia executar instruções, pus-lhe um avental e começámos a cozinhar juntas. A minha ideia primordial era fortificar a relação dela com a comida, que teve os seus altos e baixos, e também com o intuito pedagógico de lhe ensinar o nome dos alimentos e a sua importância. Realmente cozinhar requer muita paciência e disciplina: respeitar a receita e as suas instruções, esperar que uma massa esteja bem mexida ou que um bolo coza, que arrefeça para ser degustado. Nunca tinha pensado nesta vertente das minhas práticas culinárias com a L. 

Ainda mais curioso foi quando procurei uma imagem para abrir este post. Escrevi "patience" no Tio Google, e fui bombardeada com imagens de crianças com a comida! Afinal esta não é só uma teoria de Pamela, que eu corroboro. É algo intrínseco que se passa entre crianças e comida/culinária, que tolda de alguma forma as suas personalidades. Gostava de vos dizer que a L. não faz "birras" por causa disto. Não posso dizer. É uma criança e faz parte do seu crescimento e forma de se expressar. É muito paciente, mas também tem os seus devaneios, como qualquer ser humano. 

Não assumo que seja uma verdade absoluta. Nada é, sobretudo na maternidade. Mas identifiquei-me com esta conclusão de Pamela, que só vem sustentar e dar mais alento ao que já faço. Em breve serão duas ajudantes na cozinha (haja espaço!), se bem que pelo decorrer da coisa, acho que com a T. a ajudar, a massa nem chega a entrar na forma. 

Já agora, fica a receita do Gâteau au yaourt, que todas as crianças francesas aprendem a fazer de pequeninas.



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